Como resposta emocional, o medo saudável nos faz acatar a necessidade de ficarmos confinados em casa, atribuindo-a como lugar da autopreservação. Depois, se precisarmos sair, adotaremos máscaras, álcool a 70%, distância mínima entre as pessoas, atenção para quando for tossir ou espirrar etc.

Quando estas ações vão se tornando mais e mais frequentes, ou se somam aos assombramentos decorrentes das notícias, dos fatos e das inverdades, o que vai acontecendo com a percepção e elaboração emocional de cada um? Como estas experiências estão configurando a nossa saúde mental neste período de pandemia?

Começando pela linguagem, quais palavras começam a transitar mais entre nós e quais nós escolhemos que permaneçam por mais tempo? Covid, corona, contaminados, ausência de vagas hospitalares, cloroquina, respirador, ansiedade, medo, limpeza constante, bondade, compaixão, paciência, equilíbrio, serenidade, esperança, saudade, abraço, vazio, luz, cuidado… Como estas palavras que se encarnam em nosso cotidiano confinado?

Fabrício Carpinejar, em seu recente livro “Colo, por favor” (ed. Planeta do Brasil), diz que ainda não temos uma vacina contra o covid, mas temos as palavras, que são uma vacina contra o medo. Faz um convite para tentarmos entender o que está acontecendo, não como se fosse um fim, mas um recomeço.

Desde que a vida é vida, todos os dias podemos pensar em recomeços. Para isso, precisamos de coragem para dar uma pequena ré, que este tempo de isolamento nos possibilitaria, caso nos dispuséssemos a olhar para dentro e ver com honestidade nossas vulnerabilidades, que um pequeno vírus escancara mesmo que alguns não queiram ver.

Historicamente a covid-19 marca a humanidade e como cada um de nós reproduz este marco em seu próprio protagonismo?

Considerando que estamos todos, cada um a seu modus operandi, sobressaltados pela ansiedade, vamos procurando dentro de nós a melhor forma de lidar com ela e com seus desdobramentos. Devemos considerar que a escuta psicoterápica, com os instrumentos adequados de intervenção são insubstituíveis quando o nível de sofrimento psíquico aumenta, ainda mais nos casos que envolvem estresse e luto traumáticos.

A título de psico-educação e de reflexão, coloco alguns convites.

Revisitarmos nossa história numa perspectiva curiosa, como uma criança que quer descobrir algo, e de forma respeitosa, constatar como enfrentamos outras situações geradoras de ansiedade, para sabermos um ponto de partida com estes recursos emocionais de outrora.

Como todo recurso natural esgotável, como alimentamos nossas respostas internas de sobrevivência emocional? O contexto de pandemia acrescenta vários aspectos a serem considerados, como, a dependência do coletivo para definição do que está por vir; a incerteza dos acontecimentos, a vulnerabilidade de todas as pessoas, acarretando o risco de perdermos quem amamos e o limite para não nos tornarmos indiferentes à tantas mortes e sofrimentos.

Assim, precisamos nos nutrir com mais frequência, com maior diversidade e com critério. Por exemplo, através da arte – música, literatura, filmes, artesanatos, etc-; da convivência familiar, presencial e digital, mas com alternância de momentos consigo mesmo; de práticas espirituais, como orações, rituais litúrgicos, meditações, yoga, contemplações da natureza; de boa alimentação; de exercício físico, dentro de casa, alongamentos e de atividades físicas, como jardinagem, cuidados com a casa física; e de informações por fontes confiáveis.

Podemos minimizar os impactos desta pandemia em nossa saúde mental, na medida em que, buscarmos o equilíbrio emocional mediante estas formas de saciedade psico-afetivas e mantendo a atenção no aqui e no agora. Vivendo um dia de cada vez, com as oportunidades de conforto verdadeiro, capazes de nos trazer aprendizados profundamente transformadores.


Ana Cristina Benevides Pinto
Psicóloga, psicodramatista, psicoterapeuta e diretora do Centiser – Centro de Tratamento e Integração do Ser.
CRP 11/0662